domingo, 14 de setembro de 2014

Chico compreende minha alma feminina


Li há pouco uma postagem que falava que as músicas de Chico Buarque reforçavam a imagem de uma mulher passiva, que está sempre a esperar. A postagem dizia que "ele naturaliza e normatiza o machismo e pinta suas personagens femininas com um forte tom de resignação" (http://lounge.obviousmag.org/01100011_01110101/2014/09/sou-mulher-e-chico-buarque-nao-me-compreende.html).

Depois do susto de ver uma opinião tão equivocada a cerca das mulheres de Chico, resolvi apresentar um contraponto.

Como propõe a postagem citada, também não acredito que exista UMA alma feminina, mas sim múltiplas, mesmo numa só mulher. Sou tantas, por vezes até contraditória, e Chico pode até não falar de todas as mulheres possíveis que sou, mas é certo que entende várias.

Vamos citar algumas das muitas que sou ou já fui:
Muitas de nós já perdemos alguém e ficamos sem chão. Como seguir se tudo que planejei foi com esta pessoa? Perguntava-nos. Para momentos assim, nada como afogar as mágoas em "Eu te amo":


Ah, se já perdemos a noção da hora
Se juntos já jogamos tudo fora
Me conta agora como hei de partir
Se ao te conhecer, dei pra sonhar, fiz tantos desvarios
Rompi com o mundo, queimei meus navios
Me diz pra onde é que ainda posso ir
Mas, se podemos ser uma mulher frágil, que fica sem rumo com o fim de um romance, também somos a que dá a volta por cima, que olha nos olhos do antigo amor e mostra que ele não causou estragos, que podemos estar melhor e que temos liberdade. É o que canta Chico ou Bethania, que solicita o título de sua melhor intérprete:

Olhos nos olhos, quero ver o que você faz
Ao sentir que sem você eu passo bem demais
E que venho até remoçando
Me pego cantando
Sem mais nem porquê
E tantas águas rolaram
Quantos homens me amaram
Bem mais e melhor que você
Sempre tive a sensação de que a mulher brasileira "precisava" ser sensual, sem sentir desejo. Elas deveriam ser apenas desejáveis. Mas esta condição não nos torna objetos? As mulheres de Chico são "sujeitos", sentem desejo, amam loucamente e sem culpa como em "O meu amor"
O meu amor tem um jeito manso que é só seu
E que me deixa louca quando me beija a boca
A minha pele toda fica arrepiada
E me beija com calma e fundo

Até minh'alma se sentir beijada
Ou em Tatuagem:
Quero brincar no teu corpo
Feito bailarina
Que logo te alucina
Salta e se ilumina
Quando a noite vem
E nos músculos exaustos
Do teu braço
Repousar frouxa, farta
Murcha, morta de cansaço
Falar de desejo e de prazer feminino é ainda uma ousadia. Mas Chico também encarna as mulheres que eu nunca fui como as que calam, aceitam e esperam vendo o mundo passar de suas janelas. Entretanto, ele não faz isto como quem as julga, como fazem muitas das mulheres que se dizem feministas, ele faz isto do ponto de vista delas. São canções que fazem críticas ora sutis como em "Com açúcar e com afeto", ora arrebatadoras como em "Mil Perdões" ao cantar "Te perdoo/Por ergueres a mão/Por bateres em mim". As letras não reforçam estereótipos, elas fazem denúncias de como muitas mulheres vivem e de como são julgadas por todos os lados.
Mas, mesmo ainda tendo/sendo muitas mulheres de Chico, escolhi terminar a postagem com uma das mulheres que sou hoje. "Futuros amantes" mostra a delicadeza do amor que estou vivendo, sem pressa. Um amor que guardei no fundo o armário e que agora, enfim, estou vivendo. 

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